APRESENTAÇÃO

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terça-feira, 1 de março de 2016

UM DE MARÇO, FERIADO MUNICIPAL PORQUÊ?

Porque o Gualdim Pais aproveitou uma das pedras do castelo para lá inscrever que o iria reconstruir, do que resultou o castelo templário que veio a abrigar o burgo de Tomar até o rei D. João III ter deitado as casas todas abaixo e expulsado os que por lá moravam para prender em “gaiola dourada” os frades da Ordem de Cristo.

Bom, mas na verdade o “1 de março” é um feriado tão bom como outro qualquer, porque feriado quer dizer que é um dia de feira ou, como se veio depois a vulgarizar, um dia de férias  (quando os feriados foram inventados, não havia férias, é só desde há algumas décadas que acumulamos a coisa). E sempre é melhor assinalar um castelo que ali está à espera de melhor uso que o que motivava o antigo feriado municipal: a lenda da Santa Iria.

Quem conta bem as histórias (porque há duas versões) da Iria — ou Irene— é o Almeida Garrett em “Viagens na Minha Terra”, quando aproveita para dizer tanto mal de Santarém (corruptela de Santa Irene) por centímetro quadrado que a gente até se esforça por ler o livro até ao fim…

E então a Iria — ou Irene — era uma donzela cá da zona, na altura chamada Nabância, pelos meados do séc. VII. Namorou-se dela o jovem Britaldo, filho do conde que governava estas terras. Um tal monge Remígio terá dado a Iria uma bebida e ela ficou assim como que grávida. Vai daí o Britaldo manda apunhalar Iria por um criado e lançá-la ao rio, cujo corpo vai descendo pelo Nabão, Zêzere e Tejo abaixo até “aportar” à ribeira de Scalabis. No entretanto, um tal abade Célio, teve uma revelação que lhe descobriu a verdade e os milagres do caso e comunicando-a logo aos monges e ao povo de Nabância, saiu com todos e foi por esses campos da Golegã fora até chegar à Ribeira de Santarém. Ai, benzendo as águas do rio, estas se retiraram corteses e deixaram ver o sepulcro que era de fino alabastro, obrado à maravilha pelas mãos dos anjos. Chegaram ao pé do túmulo, abriram-no, viram e tocaram o corpo da Iria, mas não o puderam tirar, por mais diligências que fizessem. Conheceu-se que era milagre; e contentando-se de levar relíquias dos cabelos e da túnica, voltaram todos para a sua terra.

Esta é a história da santa Iria dos livros. A história da santa Iria das cantigas é mais simples: 

A moça vive em casa de seus pais e um cavaleiro desconhecido, a quem dão pousada, a meio da noite, rouba-a e, chegando a um descampado, pretende fazer-lhe violência… A moça resiste e ele mata-a. Dali a uns anos, o cavaleiro volta a passar pelo local e vê uma ermida levantada no sítio onde cometeu o crime; pergunta de que santa é, dizem-lhe que é de Santa Iria. Ele cai de joelhos a pedir perdão à santa, que lhe lança em rosto o seu pecado e o amaldiçoa.

Por que é a santa Iria da trova popular tão diferente da santa Iria das lendas monásticas? Como diz o Almeida Garret, ou houve duas santas com o mesmo nome, ou nos escritos dos frades há muita fabula de sua invenção.

Que o povo goste de cantar romances, vá, é da sua fantasia, abençoado seja… Agora que a Eclesia venere uma história tão mal contada, cá para mim, nem o papa Francisco ia na cantiga…

Para os curiosos, aqui fica o romance popular:

Estando eu à janela coa minha almofada,
Minha agulha d'ouro, meu dedal de prata,
Passa um cavaleiro, pedia pousada.
Meu pai lho negou: quanto me custava!
— “Já vem vindo a noite, é tão só a estrada…
Senhor pai, não digam tal de nossa casa
Que a um cavaleiro que pede pousada
Se fecha esta porta à noite cerrada.”
Roguei e pedi — muito lhe pesava
Mas eu tanto fiz, que por fim deixava
Fui-lhe abrir a porta, mui contente entrava;
Ao lar o levei, logo se assentava;
Às mãos lhe dei água, ele se lavava;
Pus-lhe uma toalha, nela se limpava.
Poucas as palavras, que mal me falava
Mas eu bem senti que ele me mirava.
Fui a erguer os olhos, mal os levantava,
Os seus lindos olhos na terra os pregava.
Fui-lhe pôr a ceia, muito bem ceava;
A cama lhe fiz, nela se deitava,
Dei-lhe as boas-noites, não me replicava;
Tão má cortesia nunca a vi usada!
Lá por meia-noite, que me eu sufocava,
Sinto que me levam co’a boca tapada…
Levam-me a cavalo, levam-me abraçada,
Correndo, correndo sempre à desfilada.
Sem abrir os olhos, vi quem me roubava.
Calei-me e chorei — ele não falava.
Dali a muito longe me perguntava:
Eu na minha terra como me chamava.
— “Chamavam-me Iria, Iria a fidalga;
Por aqui, agora, Iria, a cansada.”
Andando, andando, toda a noite andava;
Lá por madrugada que me atentava…
Horas esquecidas comigo lutava;
Nem força nem rogos, tudo lhe mancava.
Tirou-a do alfange… ali me matava,
Abriu uma cova onde me enterrava.

No fim de sete anos passou o cavaleiro,
Uma linda ermida viu naquele outeiro,
—“Que ermida é aquela, de tanto romeiro?”
— “É de Santo Iria, que sofreu marteiro.”
— “Minha Santo Iria, meu amor primeiro,
Se me perdoares, serei teu romeiro.”
— “Perdoar não te hei-de, ladrão carniceiro,
Que me degolaste que nem um cordeiro.”

Carlos Carvalheiro

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