Em 1317, o tomarense Gil Esteves jurou sobre os evangelhos que aqui,
antes de haver castelo, existiu uma nobre cidade cristã. Tinha acabado o Natal
e os inquiridores de D. Dinis, de pena em punho, interpelavam os anciãos de
Tomar procurando saber sobre a sua antiguidade. Até ao fim desse ano obteriam
mais relatos, corroborando a memória deste morador do castelo de Tomar cujo
avô, Martim Tinoca, o ouvira da boca de Dom Mendo que morara, cem anos antes,
junta à porta do castelo.
Ficavam assim, D. Diniz e a história, a saber que este vale tinha sido
ocupado por antigos cristãos, monges beneditinos, dos quais se destacava um
Abade Sélio, tio de Santa Iria. Estas declarações aludiam também a uma cidade
chamada Nabância, da qual restavam ainda edifícios “além da água”, na margem
esquerda do rio. Há quase setecentos anos registava-se assim a história
possível.
Em finais do século XIX, Possidónio da Silva, insigne arqueólogo,
fundador do Museu arqueológico de Lisboa e arquitecto de Sua Majestade o Rei,
conhecedor dos clássicos e também do relato de Gil Esteves, anuncia ao mundo
civilizado a descoberta da antiga cidade romana de Nabância, a sul de Tomar.
Falava-se mesmo, nos círculos científicos internacionais, de uma “Pompeia
Lusitana” !
Por volta de 1885 estas ruínas arqueológicas, situadas na zona de
Marmelais de Baixo, teriam já recebido cerca de 10 000 visitantes nacionais e
estrangeiros, obrigando mesmo à contratação de um guarda. Esta enchente de
forasteiros ávidos de história levou Possidónio a defender, na revista
Monumentos Nacionaes, a criação de um Museu de Antiguidades. Entretanto, a
estrada de Marmelais de Baixo era conhecida como Estrada da Nabância e, em
1913, a revista Ilustração Portuguesa difunde fotos do local como um importante
vestígio romano a visitar.
A par dos monumentos da cidade, esta ruína romana era ponto de atração
turístico muito antes dos anos 30, data da abertura das ruínas de Conímbriga.
Contudo, as contingências socio económicas da Iª Grande Guerra terão
provavelmente contribuído para uma degradação tal destas ruínas e do seu
pequeno museu que, a partir da década de 20, o Coronel Garcês Teixeira,
defensor das antiguidades tomarenses e membro da União dos Amigos dos
Monumentos da Ordem de Cristo – UAMOC, defende que as ruínas sejam soterradas e
o espólio histórico sobrevivente recolhido pela UAMOC. Contribuiu também para
este processo de esquecimento institucional o facto de aquelas ruínas não
pertencerem à “cidade”, idealizada por Possidónio da Silva, mas sim a uma Vila
Rústica, uma exploração agrícola cuja casa senhorial era de tal modo sumptuosa
que enganou o velho arqueólogo monárquico.
Deste modo, Nabãncia permaneceu no rol dos mitos até à década de 50,
aquando da expansão urbana na margem esquerda do rio Nabão. Nessa época são descobertos
vestígios de grandes edifícios cuja verdadeira escala será aquilatada apenas na
década de 80.
Ao longo destes sete séculos de historiografia tomarense muitos
artefactos viram a luz do dia e muitos relatos foram obtidos, tanto de gente
insigne como insignificante. Os próprios templários, necessitados de pedra para
o castelo, tiveram oportunidade de constatar a presença dos “antigos”.
É já tempo de testemunhar e celebrar todos aqueles que aqui viveram.
Tomar merece um repositório da sua memória, onde todos partilhem do
conhecimento da história, à semelhança de outras cidades com a mesma escala
cultural.
Rui Ferreira
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