Mário Cobra
Podem existir sadismos
encobertos capazes de deduzir vanglórias num amontoado de comensais a correrem
para uns caldeirões de sopa e ali ficarem repimpados até saciarem a desmedida
gula. Os que vieram atrás se lixem, empurrem, comam relva. Os mais resolutos,
beiços lambuzados de bagunça, não largam os entulhos enquanto não rejubilam “Já
comi 18 sopas” “Já comi 46”, “Já comi 224”, “Já engoli um caldeirão”, “Gostei
mais foi da sopa de corno”. Talvez fosse mais prático ordenar a fila como dever
ser (congresso da sopa sem filas é como o Mouchão sem flores) exemplo de um
separador em corda obrigando a um pequeno corredor, ao correr das coxas, onde
os comensais tenham de aceder aos caldeiros de forma ordeira, sem a confusão do
ajuntamento. Complicado?
Nos anos já mais passados deste frenesim do congresso, os
participantes faziam fila desde a ponte. Os primeiros permaneciam ali desde as
10h00, desespero de serem a vanguarda, torrando a mona ao sol, de pé, soberbo
exemplo de tortura por simples mixórdia de couve com feijão para ajudar a
festa. Ao meio-dia em ponto, o árbitro apitava para o início da disputa, abriam
a cancela e os sôfregos disparavam accionados por molas impulsivas do deixa-me
encher a mula antes o mundo acabe. Às sugestões de que seria mais urbano a
malta ir entrando para o Mouchão logo que chegasse, evitando assim as filas, as
respostas dos responsáveis traduziam-se naquela imposição de serem eles a
decidir, eventualmente ufanos por assistirem ao espectáculo das filas. Agora
não será tanto assim porque o masoquismo também cansa e o pessoal foi
desistindo.
Entretanto, sempre anunciado que os lucros do congresso
revertiam para o CIRE, entregue o cheque com pompa e circunstância em reunião
do executivo, veio a saber-se - afinal o certame dava prejuízo. Milhares de
pessoas pagavam bilhete caro e mesmo assim o festim dava prejuízo. Nada
relevante caso se atenda a que uma das festas de tabuleiros com meio milhão de
visitantes deu fortunas de prejuízo. Lucro nem sequer se admite que dê. Será
melhor não se falar disso para não se estragar a folia que tanto orgulha o deprimido
burgo.
Já agora, se a autarquia não necessita de lucros nos
eventos de massas, não entende como, por exemplo, não dispõe de meia dúzia de
euros para reparar o parque infantil, certamente útil a quantos nos visitam no congresso
da sopa a fim de entreterem os filhos enquanto aguardam a abertura do conflituoso
regabofe. No dia 25 de Abril, por exemplo, ouviam-se remoques de grupos de visitantes
confrontados com o parque infantil encerrado “ É isto uma cidade turística?”, “Quem
viu esta cidade e quem a vê agora”.
A essa hora, decorria a sessão solene da Assembleia
Municipal alusiva ao 25 de Abril certamente com as forças do executivo a apregoar
loas de “Viva o 25 de Abril”, “Viva Tomar”. Faltou dizer “Viva o parque
infantil encerrado”. A verba despendida nas subvenções aos autarcas pela
participação na cerimónia daria para reparar o parque.
Que o consommé lhes faça bom proveito.
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