APRESENTAÇÃO

“A TERRA DE QUE A GENTE GOSTA” é expressão que nos agrada. É sentida e é profunda, e é adotada como a ideia força de “TomarOpinião”.

Pretendemos oferecer críticas construtivas e diversificadas sobre os valores, as coisas e as atualidades da nossa terra, e não só. Pretendemos criar um elemento despertador de consciências e de iniciativas de cidadania, e constituir uma referência na abordagem descomprometida desses valores, dessas coisas e dessas atualidades.

Queremos, portanto, estimular o debate, de temas e de ideias, porque acreditamos que dele podem resultar dinâmicas de cidadania, que alicercem mudanças que por certo todos aspiramos.

“TomarOpinião” será um blogue de artigos de opinião e um espaço de expressão livre e responsável, diversificada e ampla.

tomaropiniao@gmail.com


sábado, 16 de abril de 2016

A FABULOSA FAUNA AQUÁTICA DE TOMAR

 Rui Ferreira


 Serpenteando por uma idílica paisagem verdejante, o rio Nabão encerra mistérios que apenas os naturalistas mais experientes podem aquilatar. As suas águas duras, que desde a Serra de Ansião vão solvendo as rochas jurássicas, chegam calmas a um vale outrora pantanoso. Aqui vivem várias espécies de animais. 
  Ao olhar mais distraído surgem espontaneamente os castores, as lontras e os peixes. Estas são as principais espécies e, portanto, os atores desta fantástica história.
  Durante séculos, castores e lontras têm disputado o poder no Nabão. Os peixes, uns maiores outros mais graúdos, vivem do que apanham a boiar, lutando encarniçadamente por algum naco de alimento, sofrendo com o estio no caudal do rio, condenados à sua condição aquática, abrindo e fechando a boca, como se comer e respirar fossem a mesma coisa.
  Os castores são um género de roedores cujos incisivos ganham uma cor alaranjada. Detestam ser apelidados de ratos de água e rejeitam qualquer comparação com os seus primos do esgoto ou dos campos. A principal ocupação dos castores é construir. Têm tanto empenho nisso que chegam mesmo a destruir para a seguir fazer a sua obra. É a sua natureza. 
  As lontras, por seu lado, têm um modo de vida mais descomprometido. Ao contrário dos castores, não são monógamas e aproveitam qualquer buraco para fazer ninho. Não são construtoras, gostam mais de passar o tempo em atividades lúdicas, como a natação artística, assobiar ou mesmo cantar. Também as lontras escondem um segredo: são primas das doninhas.
  A nossa história vai encontrar os bichos nabantinos reunidos junto a uma ilha do rio. Tinham passado 52 luas e os peixes, cansados de tanto tronco cortado, tanta represa e tanta confusão, ficaram emocionados com os assobios graciosos das lontras e escolheram nadar para a margem esquerda. Este era, já há muitos anos, o modo como os peixes escolhiam os seus soberanos. Nadavam desvairadamente para uma margem ou para outra. Desta vez, ganharam as lontras. 
  Nos montes, junto aos regatos dos pinhais, as doninhas festejavam com escaravelhos suculentos. As ratazanas, iradas, refugiavam-se nas tocas húmidas onde tinham guardado alguns mantimentos.
  A maioria dos peixes tinha rumado à margem esquerda, não só por estar cansada dos castores, mas também porque as lontras, do alto da ilha do rio, lhes tinham dito que iriam resolver o problema dos lagostins! Como todos sabemos, as lontras adoram lagostins. O lagostim, apesar de ter uma casca dura, sempre é mais acessível que o berbigão ou a amêijoa, cuja casca tem de ser partida com ferramentas. Acontece que os peixes andavam incomodados com os lagostins e certos barbos gritavam mesmo, a guelras abertas, tratar-se de uma infestação!
 Os castores, com tanto engenho e arte, nunca conseguiram resolver o problema e os lagostins, coitados, encravados entre a terra e a água, apenas conseguiram que os castores lhes oferecessem uns troncos de madeira. Pudera! Com dentes daquele tamanho, também eu arranjava troncos, pensou o velho lagostim do bigode.
  As lontras, uma vez no poder, cantaram em uníssono um hino, misto de assobios e gemidos de satisfação. Os peixes que tinham nadado para a margem esquerda ficaram entusiasmados. Algumas bogas e bordalos comentavam entre si que agora, com o rio mais limpo, poderiam nadar tranquilamente sem serem incomodados com os paus aguçados e a água turva dos castores. 
  Porém, a sorte dos peixes nunca é grande. As lontras do Nabão, além dos carreiros nas ervas, só sabem marcar o território com pequenos dejetos, colocados estrategicamente em pontos altos. As suas mãos têm barbatanas escondidas e não garras. A sua imagem de marca é a rapidez e a graciosidade, não a eficácia. Por isso, como o assunto dos lagostins nunca mais tinha saída, alguns velhos barbos fizeram um ultimato às lontras: Ou resolvem o problema dos lagostins, ou os peixes deixam de alimentar as lontras!
  No ninho das lontras a azáfama era sempre grande, são uns bichos que não conseguem estar quietos. Quando estão juntas têm a tendência de se morderem umas às outras. Não são mordeduras fatais, mas antes manifestações gregárias de autoridade. Claro que os peixes, mesmo tendo as orelhas pequeninas, debaixo de água, escutam tudo!
  Assim, o cardume pôs-se à escuta e, entre guinchos e mordidelas, ficou a saber que as lontras nunca iriam tratar do problema dos lagostins. Entretanto, a notícia espalhou-se. Toda a bicharada ficou ciente do logro das lontras. Os castores começaram imediatamente a afiar os seus paus, procurando mostrar serviço e não cuidando que, mais uma vez, a sua falta de graciosidade poderia ferir os peixes. 
  Um pato, sobrevoando o vale, tinha visto o rio, as margens, a ilha, os paus e as construções dos castores, os carreiros e as marcas das lontras e os lagostins encardidos na margem. Pousou junto aos peixes e disse: Amigos peixes, cada um acredita facilmente, no que teme e no que deseja.


Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.